Cultura Caiçara pelos olhos de Maria Idalina Medalha dos Santos.

 

O que vivi e vi!!!

Por Maria Idalina Medalha dos Santos.

As mulheres caiçaras são mulheres que amam, sobre tudo. E é nesse amor que a vida é tecida, na simplicidade não da falta e sim de abundância! Quando menina brinca lá fora, no quintal! A boneca é o cobertor enrolado. O pequeno mamão verde pode ser um boizinho com as perninhas de pau. O jogo de pedrinhas, na verdade saquinhos de areia. Vai na praia esperar o pai de mãos dada com a mãe. Ajuda a transportar o balaio com o peixe. Ajuda a escalar o peixe. Transporta água do poço. Segue a galinha para encontrar o ninho! Uma alegria só...volta para casa correndo com a novidade! Procura lenha para o fogão, árvores secas que tombaram! Colhe macela para fazer travesseiro. Lava a louça na bacia, arear as panelas com areia. Toma café com capitão de feijão ou mandioca, as vezes com arroz. Pode ser também com batata doce ou cangalha. Varre a casa, o quintal com vassoura de galhos da planta do mesmo nome. Vassoura. Toma banho na bacia de alumínio, destempera a água. Que o fogão a lenha esquentou. Conhece o que é picumã. Tariova, guaiamum, guaiá, tamburutaca e chalerete, e tantos outros peixes. Muitos outros nomes e significados. Lembra do parto feito em casa. Com a parteira Dona Júlia. O resguardo de 40 dias. Janela do quarto fechada com um cueiro de flanela, para evitar vento encanado! Canja a comida da mamãe. Nada de peixe. Cação, bagre, viola ... nem pensar. Peixe é muito carregado. Benzer as crianças Dona Jacinta. Cura tudo...principalmente mal olhado. Com um raminho de Arruda, hortelã. Benzia benzia o corpinho da criança e esteva curada. E Dona Jacinta...abrindo a boca...bocejando com o mal olhado da criança. O galhinho murcho, murcho. Na quaresma a ordem de mamãe era: - silêncio crianças! Não briguem! Não cantem! Não se escuta música. Só se comia peixe. A ordem de silêncio continuou mesmo depois que papai comprou rádio. Na horta tem tudo...coentro, salsa, boldo, almeirão, quiabo, berduega, taioba e na praia perrechi. Siri cozido, assado na brasa.  Banana de todo jeito, cozida, crua, assada. Com feijão, com pão no lanche da escola, a mala cheirava pão com banana. Tamanco de madeira, com pedaço de couro com três preguinhos de cada lado ou pé no chão. A verminose e o lombrigueiro viviam com a gente! O banheiro era a floresta...que sempre nos acolheu. As festas com fogueira...para iluminar o terreiro e esquentar. Para assar batata doce, ovo...! No calor limonada. A geladeira...cavar um buraco no chão e refrigerar a garrafa. Fruta...conde, abiu, banana, romã, caju, goiaba. Mamãe fazia doce de mamão verde, de goiaba, de casca de laranja, bananada. Licor de jabuticaba. "Marisca” sem o esse mesmo! Bibigão, mija-mija, tariova, depois da chuva preguaí! Histórias que vovó Georgina, tia Antônia contavam, quase sempre de medo! O vento noroeste muito temido, sudunga também! O mar ficava impossível! Ninguém conseguia remar! A gente se segurava no Jundú e o que de mais bonito havia...para lá e para cá!! Algum trovão! A roupa dos pescadores lá de casa é boa contar! Vovô papai...de camisa abotoada na frente surradas ... calça de casimira, ou caqui...surradas arregaçadas abaixo dos joelhos. Sempre gostei muito do lampião para fachear! Uma beleza. Dois triângulos de zinco...com paredes de vidro...e dentro uma vela. E lá iam à noite pescar tainha...e lá em casa a gente escutava as batidas na canoa...para apavorar as tainhas que saltavam para dentro da canoa. Colher capim para a vovó fazer colchão. Na mesa da casa grande. Que as vezes os bois gostavam de entrar lá!

Ficar sentada na canoa azul de papai vendo o mar. O mar é o único que sabe do coração de uma caiçara.

São Sebastião, 12 de março de 2022 às 16:23 hs

 


Foto da Maria Idalina mostrando a bacia que ela menciona no seu texto e uma amostra de sua vida bem caiçara! Parabéns Idalina pela sua história de vida!!!

Até a próxima...

Comentários

  1. Me lembro de tudo isso, era assim mesmo, o vermifugo eram umas bolinhas fedorentas que ao romper no estômago tinha cheiro de gasolina, sou filha do maior tocador das festas de Reis e São Gonçalo. Apesar de tudo, tenho muita saudade daqueles tempos, éramos felizes com pouco, hoje temos muito e andamos com medo de tudo e de todos.Desabafo de uma caiçara.

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    1. Sim foi assim! E foi maravilhoso! Nada melancólico! Muito feliz por tudo que vivi! Tivemos experiências lindas. Que nos honra recordar. Abração

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  2. Que linda homenagem aos caiçaras! Parabéns querida Idalina! Nossa tia linda! Com essa leitura conheci melhor nossa cultura! Parabéns!

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    1. Ahhhh...minha sobrinha linda. É uma honra deixar registrado um pouco da nossa vida Caiçara. Que sua mãe, e tia Bete também vivenciaram . Obrigadaaaa linda da tia.❤💋🌺

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  3. Parabéns Seminina Maria Idalina, arrela mece disse tudo,Anhanhai me escorreu uma lágrima salgada igual o lagama.
    Gratidão Mestra!

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    1. Obrigada Pedro...é bom assim um Caiçara formado na verdade, na fartura da simplicidade. Isto me encanta muito! Você conhece o que estou relatando. Eu vivi! Você viveu e vive! Me faz bem guardar, guardado no coração e na palavra! Viva Viva o Povo Caiçara.

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  4. Mulher admirável, muita história de luta e de cultura! Parabéns!!!

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    1. Obrigadaaaaa Jacque! Por me incentivar a escrever, dar depoimentos, fazer "live" entrevista! Tudo mérito seu! Que eu agradeço agradeço agradeço muito! 💋❤🙏🙏🙏

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